Os fungos estão presentes em nossa mesa há séculos. Você já parou para pensar como seria a vida sem o queijo Gorgonzola, o Camembert ou o Brie? E o que seria do mundo, simplesmente, se não existisse o Botrytis cinerea, o fungo que cria os vinhos brancos de sobremesa mais deliciosos e complexos do mundo? Não dá para imaginar.
O Botrytis cinerea é um micro-organismo peculiar. Ele aparece sobre as uvas como um pó acinzentado – daí seu nome botrytis, do grego, cacho de uvas; cinerea, do latim, cinza. Por isso, ele é conhecido como “podridão cinza” quando ataca os vinhedos em períodos constantes de chuva e umidade.
Já em condições climáticas especiais, onde a névoa fria e úmida da manhã dá lugar ao tempo quente e seco à tarde, ele se torna a dádiva do Nilo e passa a ser chamado de “podridão nobre” – ou noble rot (inglês), pourriture noble (francês), muffa nobile (italiano) e edelfäule (alemão).
Nesse caso, o fungo se aloja nas cascas das uvas e promove um processo de desidratação. Com isso, há um aumento da concentração de açúcares e ácidos, além de uma série de reações químicas. A síntese de sotolon e de álcoois geram aromas de mel, especiarias, xarope de bordo (maple), açúcar queimado, trufas e cogumelos.
Alguns poliálcoois também são produzidos, em especial o glicerol, responsável pela sensação de doçura e viscosidade dos vinhos botritizados. Tudo isso resulta em um néctar que, ao ser vinificado, enobrece o sabor do produto com um perfil aromático único.
Esse processo ocorre de forma natural e no seu próprio ritmo. Não há como estimular, acelerar ou até mesmo evitar. Tudo depende da vontade da natureza. A colheita das uvas é feita de maneira seletiva, manualmente e em diversas fases, já que o Botrytis cinerea não ataca a videira de forma linear. Assim, o produtor vai colhendo os bagos mais afetados durante dias.
O mosto extraído dessas uvas é relativamente limitado e, por isso, esses vinhos de sobremesa são produzidos em pequenas quantidades – o que os torna caríssimos. Para se ter uma ideia, a produção de uma única videira botritizada não passa de um cálice de vinho, enquanto uma videira normal produz de três a quatro garrafas de vinho.
E como você deve imaginar, não deve ser em qualquer lugar que se encontram as condições ideais para produzir esse néctar dos deuses. Na França, em Sauternes, no vale do Loire e na Alsácia; na Hungria, em Tokaj; e na Alemanha, no vale do Reno, são os terroirs que conseguem produzir vinhos botritizados com qualidade, quantidade e regularidade. São dessas regiões, respectivamente, o Château d’Yquem, o Tokaji Aszu Ezsenzia e o Trockenbeerenauslese do Rheingau, três dos melhores e mais conhecidos rótulos.
Vinhos com características ímpares de complexidade, longevidade e riqueza gustativa, com puro equilíbrio entre doçura e acidez. Você já teve o prazer de experimentar um dos melhores vinhos do mundo?