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Botrytis cinerea: o fungo que “cria” um vinho especial

Written by Bruno Hermenegildo | 5/fev/2018 12:00:00

Os fungos estão presentes em nossa mesa há séculos. Você já parou para pensar como seria a vida sem o queijo Gorgonzola, o Camembert ou o Brie? E o que seria do mundo, simplesmente, se não existisse o Botrytis cinerea, o fungo que cria os vinhos brancos de sobremesa mais deliciosos e complexos do mundo? Não dá para imaginar.

O Botrytis cinerea é um micro-organismo peculiar. Ele aparece sobre as uvas como um pó acinzentado – daí seu nome botrytis, do grego, cacho de uvas; cinerea, do latim, cinza. Por isso, ele é conhecido como “podridão cinza” quando ataca os vinhedos em períodos constantes de chuva e umidade.

Já em condições climáticas especiais, onde a névoa fria e úmida da manhã dá lugar ao tempo quente e seco à tarde, ele se torna a dádiva do Nilo e passa a ser chamado de “podridão nobre” – ou noble rot (inglês), pourriture noble (francês), muffa nobile (italiano) e edelfäule (alemão).

Nesse caso, o fungo se aloja nas cascas das uvas e promove um processo de desidratação. Com isso, há um aumento da concentração de açúcares e ácidos, além de uma série de reações químicas. A síntese de sotolon e de álcoois geram aromas de mel, especiarias, xarope de bordo (maple), açúcar queimado, trufas e cogumelos.

Alguns poliálcoois também são produzidos, em especial o glicerol, responsável pela sensação de doçura e viscosidade dos vinhos botritizados. Tudo isso resulta em um néctar que, ao ser vinificado, enobrece o sabor do produto com um perfil aromático único.

Esse processo ocorre de forma natural e no seu próprio ritmo. Não há como estimular, acelerar ou até mesmo evitar. Tudo depende da vontade da natureza. A colheita das uvas é feita de maneira seletiva, manualmente e em diversas fases, já que o Botrytis cinerea não ataca a videira de forma linear. Assim, o produtor vai colhendo os bagos mais afetados durante dias.

O mosto extraído dessas uvas é relativamente limitado e, por isso, esses vinhos de sobremesa são produzidos em pequenas quantidades – o que os torna caríssimos. Para se ter uma ideia, a produção de uma única videira botritizada não passa de um cálice de vinho, enquanto uma videira normal produz de três a quatro garrafas de vinho.

Os vinhos feitos com as uvas infestadas pelo fungo também são caracterizados por sua composição concentrada de açúcar residual, que pode atingir até 150 gramas por litro. A acidez também é um fator importante nesse tipo de vinho, tornando-o bastante longevo, podendo sobreviver por mais de 100 anos.

E como você deve imaginar, não deve ser em qualquer lugar que se encontram as condições ideais para produzir esse néctar dos deuses. Na França, em Sauternes, no vale do Loire e na Alsácia; na Hungria, em Tokaj; e na Alemanha, no vale do Reno, são os terroirs que conseguem produzir vinhos botritizados com qualidade, quantidade e regularidade. São dessas regiões, respectivamente, o Château d’Yquem, o Tokaji Aszu Ezsenzia e o Trockenbeerenauslese do Rheingau, três dos melhores e mais conhecidos rótulos.

Vinhos com características ímpares de complexidade, longevidade e riqueza gustativa, com puro equilíbrio entre doçura e acidez. Você já teve o prazer de experimentar um dos melhores vinhos do mundo?